A reforma da previdência social brasileira e a necessidade de observância da segurança jurídica e da previsibilidade (Brazilian social security reform and the need to respect legal certainty and predictability)

Journal Title: Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região - Year 2017, Vol 28, Issue 132

Abstract

Há mais de seiscentos anos René Descartes já dizia “cogito, ergo sum”. Inspirado no racionalismo por ele inaugurado, nesses momentos de tanta turbulência pelo qual passa o Brasil, em que tantos argumentos, uns corretos outros puro engodo, são produzidos para justificar a reforma da Previdência Social, examinei o recente projeto de Emenda Constitucional apresentado pelo governo federal, já em tramitação no Congresso Nacional. Antes de tratar de alguns pontos do projeto, a premissa sobre a qual se baseia todo o discurso e a própria política governamental de necessidade de reforma não tão clara, apesar dos alentados discursos, propagandas e reportagens jornalísticas divulgadas. Não é de hoje que se escuta falar no desvio dos recursos da Previdência Social para emprego em finalidades que nada têm a ver com a mesma. Apesar de o constituinte de 1988 ter criado, a partir do artigo 194, um regime de Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde), estabelecendo as hipóteses para a cobrança de contribuições dos entes produtivos para fazer frente a essas necessidades, verdade é que nunca os recursos arrecadados foram aplicados apenas na Seguridade Social. Com a desvinculação dos recursos, primeiro chancelada pelo Supremo Tribunal Federal e, depois, por Emenda Constitucional, verdade é que esse sistema de Seguridade Social é pura ficção, não existindo um orçamento específico para fazer frente a essas despesas. E pior: quando se fala em déficit orçamentário da Previdência Social, em que são apresentados gráficos, estatísticas etc., esquece-se de que como despesas da Previdência são incluídas despesas relativas à Saúde e Assistência social, situações essas que estão fora da Previdência, eis que incluídas na Seguridade Social apenas. Se não existe segurança quanto às estatísticas, outro ponto que torna bastante discutível a necessidade de uma reforma da Previdência como a proposta pelo governo federal é o fato de que se vive hoje no país uma grave recessão, talvez a pior de sua história, em que os grupos políticos e econômicos mais protegidos na sociedade querem simplesmente transferir os gastos, literalmente passar “a conta” para os setores mais fracos da sociedade. Trata-se, na verdade, de uma guerra política e a reforma da Previdência Social é uma das batalhas, em que a elite econômica não deseja nada perder para ajudar na recuperação do país. Importante frisar que o país adotou, a partir de 1988, um sistema solidário de Previdência Social e, assim, tem sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Poderia ter sido escolhido um sistema de capitalização, até entendo que seria uma melhor opção. No entanto, não foi esse o escolhido. Ocorre que são inúmeras as formas de fraude, e não pretendo neste breve estudo citar trabalhos e outros documentos, não sendo difícil verificar que boa parte dos benefícios pagos hoje no Brasil são fraudados, configurando-se a Previdência e os brasileiros como vítimas do crime do artigo 171, § 3º, do Código Penal (Estelionato). Ademais, a sonegação fiscal é muito elevada no país, além das inúmeras formas de renúncia, remissões, perdões, parcelamentos e refinanciamentos. E o que dizer dos chamados “planejamentos tributários”, cuja diferença com a fraude fiscal é bastante tênue, resultando em que, muitas vezes, pessoas físicas com alto poder econômico e passíveis de ser cobradas com valores elevados para a Seguridade Social escapam, pagando alíquotas irrisórias se comparadas com as pessoas físicas em geral, muitas tributadas em 27,5% de Imposto de Renda. More than six hundred years ago, René Descartes said "cogito, ergo sum". Inspired by the rationalism he inaugurated, in these turbulent times that Brazil is going through, in which so many arguments, some correct, others pure bait, are being produced to justify the reform of Social Security, I examined the recent Constitutional Amendment bill presented by the federal government, which is already being processed in the National Congress. Before dealing with some of the points of the bill, the premise on which the whole discourse is based and the government's own policy of the need for reform is not so clear, despite the speeches, advertisements and newspaper reports. It's not new to hear about the detour of Social Security funds for purposes that have nothing to do with it. Although Article 194 of the 1988 Constitution created a Social Security system (Welfare, Assistance and Health), establishing the hypotheses for collecting contributions from productive entities to meet these needs, the truth is that the funds collected have never been used solely for Social Security.If there is no certainty about the statistics, another point that makes the need for a pension reform like the one proposed by the federal government quite debatable is the fact that the country is currently going through a serious recession, perhaps the worst in its history, in which the most protected political and economic groups in society simply want to transfer spending, literally passing on "the bill" to the weakest sectors of society. This is, in fact, a political war and the Social Security reform is one of the battles in which the economic elite wants nothing to lose in order to help the country recover. It is important to note that since 1988, the country has adopted a system of social security solidarity, and this has been recognized by the Supreme Court. A capitalization system could have been chosen, I even think it would have been a better option. However, it was not chosen. It turns out that there are countless forms of fraud, and I don't intend to cite papers and other documents in this brief study, but it is not difficult to see that a large part of the benefits paid out today in Brazil are fraudulent, making Social Security and Brazilians victims of the crime in article 171, § 3, of the Penal Code (embezzlement). Furthermore, tax evasion is very high in the country, in addition to the countless forms of waivers, remissions, pardons, installments and refinancing. And what can we say about so-called "tax planning", the difference between which and tax fraud is quite blurred, with the result that individuals with high economic power and liable to be charged high amounts for Social Security often get away with it, paying derisory rates compared to individuals in general, many of whom are taxed at 27.5% of income tax.

Authors and Affiliations

Silvio César Arouck Gemaque

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Silvio César Arouck Gemaque (2017). A reforma da previdência social brasileira e a necessidade de observância da segurança jurídica e da previsibilidade (Brazilian social security reform and the need to respect legal certainty and predictability). Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 28(132), -. https://www.europub.co.uk/articles/-A-764987